O Processo de Damião de Goes na Inquisição
Quando relemos hoje o processo de Damião de Goes, não é
sem um grito de indignação que vamos tomando conhecimento
das acusações que lhe serviram de base — desde «comer carne
em dia de defeso» e desprezar as imagens dos santos a ter
falado com Lutero e ser amigo de Erasmo, desde a sua
oposição à confissão auricular até à sua desvalorização das
indulgências papais, assim pondo em causa o poder do Papa e a
existência do Purgatório… Acusações reveladoras do vírus
dogmatizante tantas vezes presente nas crenças religiosas, com
a sua tendência para excluírem, com maior ou menor
perseguição, aqueles que não se conformam ou ousam pôr em
causa, no todo ou em parte, as suas doutrinas. Acusações que
deixam também evidente o quanto de pernicioso pode existir
no fenómeno de acasalamento entre um poder religioso ou
ideológico, qualquer que ele seja, e o poder político.
António Reis, na apresentação deste livro.