Nascida em Lisboa, em 1955, Maria Quintans faleceu no sábado à noite no Hospital de S. José, em Lisboa, onde se encontrava internada desde 8 de junho, na sequência de um aneurisma cerebral. O velório realiza-se esta terça-feira, dia 18, às 11h00, na Capela da Igreja de Nª Senhora da Conceição, Olivais Sul, onde se realizará uma cerimónia às 14h00, seguindo-se a cremação às 15h00.
No poema «meditações sobre o fim», publicado no livro Se me empurrares eu vou, editado pela Assírio & Alvim em 2019, Maria Quintans escreveu: «os poetas disseram que o poema era um ser superior à morte.» «Interventiva e entusiasta, recorda-se a sua notável voz poética, capaz de chegar a diferentes leitores», lê-se na nota de pesar da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues.
Deixa uma saudade imensa
«Poeta, dramaturga, animadora cultural, Maria Quintans foi acima de tudo (o que é tão raro!) uma mulher de amizades e consensos, um ser excecional cuja morte precoce deixa órfãos todos aqueles que puderam beber da sua sensibilidade e inteligência»
MANUEL ALBERTO VALENTE
«Maria Quintans. Maria Q., como lhe chamava. Perdoem-me a inconfidência. Q de Q e Q de Quê. A Maria era uma pergunta viva, um peixe – também de signo –, no aquário às voltas consigo próprio e com o sentido da vida. Por isso amou Bergman como ninguém a não ser os que o rodearam e mesmo assim… A vida não é a obra e tudo se idealiza. Talvez para sobreviver melhor: «Quero ir para o espaço», disse-me um dia. Maria Quintans, anacrónica também. Poderia ter nascido no princípio do século, porque pertencia às vanguardas às quais acrescentava um toque de contemporaneidade. Rejeitava a lógica, o sentido rimava com o absurdo, a irracionalidade, a rebeldia, o protesto. Ah, «e apanhar-nos abundantemente vivos» ( A Febre ). A racionalidade não explica tudo: os dadaístas e os surrealistas sabiam-no e Maria tinha 100 cabeças para lembrar o título de Max Ernst, esse com itálico. Imagética na poesia, indagadora no teatro. Sem respostas, a não ser a do afeto imenso doado aos amigos. Poeta-cineasta, escrevia em modo flash: os versos como clarões elétricos, ou fotografias. E vivia assim, do escuro ao claro. Era um lobo-mulher, noutros dias «mulher-cão, como a «sua» cão Sancha, a ver se o pragmático se sobrepunha ao Dom Quixote dentro de si. É este sabor a vida que ressalta da sua vida literária: a alucinação, a transfiguração, a imaginação na insegurança dos dias e no erotismo do sentir. O maravilhoso nos escritores, nos artistas, nos amigos, retirava-o de si enquanto, pela noite fora, desenhava imagens acima dos pássaros e da violência. Sabia do sem saída da vida e da importância do silêncio e dos fantasmas, os do inconsciente. Incendiava olhos por todos os lados, como escreveu em Chama-me Constança (2010). Foi moldando alguma tristeza com amor, alguns copos, o cigarro iludindo a dispersão, as palavras a jorrar na mente como água escorrendo de cá para lá até se deterem num espaço de inocência áspera. Ainda hoje é uma criança grande de riso rouco e voz grave. Sorri com ternura, os olhos abrem-se no azul dos dias, inquietos e ternos. Não morreu.»
ANA MARQUES GASTÃO
«A paragem do corpo da Maria no tempo empurra-me para esta escrita. Uma vez mais, a linda Maria muda e surpreende a dramaturgia e muda a narrativa das coisas à nossa volta. “O importante na vida sente-se, não se vê. Sente-se no afeto que dás aos outros que não o sentem.” Cito a minha eterna amiga, pois assim, e de mãos dadas, ajudamo-nos a compor esta escrita. Sim, a Maria é e para sempre será afeto, o amor que se dá sem esperar ecos, dar, apenas isso. Não sei o que me/nos espera, mas será algo desprovido deste olhar da Maria sobre o outro, onde esse outro é tudo, é nada e, ao mesmo tempo, fundamental para nos certificar a existência e aconchegar uma esperança qualquer na Humanidade. Foi em Fårö, na Suécia e na casa de Ingmar Bergman, que tivemos a alegria de partilhar, a Cláudia [Lucas Chéu], a Maria [Quintans], eu e o Luís [Puto], esta visita que nos deu a perspetiva, de forma mais clara, de que, ao viver, existimos, representamo-nos e assistimos à «representação« alheia, ! numa contracena da realidade do mundo humano. O espanto de concretizar o sonho da Maria e de, com ela, agradecer tudo o que por nós passou, marcou e atravessou. Tudo isto ficará tatuado em nós, em mim e para sempre. Para ti, querida Maria, com amor te escrevo nesta lenta caligrafia para quem adormeceu.»
ALBANO JERÓNIMO
«Nunca conseguirei descrever o que foram aqueles dias em casa do Bergman. A alegria esfuziante da Maria, o nosso espanto, o júbilo de nos sentarmos à secretária dele, de nos deitarmos na sua cama e ficarmos em silêncio. A vista da sua casa para o Mar Báltico e silêncio dos seus filmes. O seu espaço. Onde viveu e morreu. Fomos muitíssimo felizes naqueles dias. Ao pé da Maria nenhum amigo era infeliz. Porque a Maria era amor puro. Aquela viagem foi uma viagem de amor e amizade e ficará para sempre em nós.»
CLÁUDIA LUCAS CHÉU
«A Maria Quintans era uma poeta extraordinária, uma editora extraordinária, uma amiga extraordinária. Um desses raros seres verdadeiramente humanos que, estou certa, marcou a vida de todos os que com ela, ainda que brevemente, se cruzaram. O último livro que me ofereceu, de Stig Dagerman (autor sueco, como o seu amado Bergman), tem um título que hoje pode resumir a falta que fará à família, aos amigos, e à literatura portuguesa: A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer.»
FILIPA LEAL
«Para mim, a Maria era a Poesia. Com a coragem dos visionários, criou editoras e revistas para a divulgar, promoveu encontros, disse, escreveu, publicou, batalhou em seu favor, juntou gente à sua causa, riu, bebeu, brindou à vida e ao amor, era terna e excessiva, tinha umas mãos lindas, uns olhos brilhantes, uma voz quente e uma gargalhada contagiante. Finalmente ensinou-me que «os demónios não gostam de ar fresco», ficou nas nuvens por ter falado com a viúva do Ingmar Bergman, por ter visitado os espaços onde ele viveu e, finalmente, por ter visto em cena a excelente peça que ela própria escreveu inspirada na frase do Bergman. A Filipa Leal, ela e eu estivemos a comer pizzas não há muito tempo e a conversar sobre paixões, amores, desamores, poesia. Foi uma vida cheia que acaba muito antes do fim. Um enorme brinde a ti, minha querida, brilhante e inesquecível Maria.»
NICOLAU SANTOS
“Maria Quintans
Muito mais do que poeta.
Mulher criança de olhos de água.
Só havia no mundo um sorrir assim.
Mulher de mão estendida ao nosso coração.
Continha todo o universo no verso da sua imaginação.
Maria era grande, Rosário sem fim.
Maria era Mulher de peito aberto.
Quando penso nela é em mim que estou a pensar pois ela era cada uma de nós.”
OLGA RORIZ
«A Maria Quintans era uma Poeta incrível cuja obra terá eco muito para além do nosso tempo. Mas a sua grandeza via-se, também, na forma como tratava os outros poetas: a Maria foi responsável pela descoberta e pela edição de muitos jovens autores, hoje poetas consagrados, e fê-lo sempre de uma forma discreta. Ao seu talento como poeta, juntava-se, pois, a sua enorme sensibilidade como editora que contribuiu de forma indelével para o panorama editorial poético português. E depois, não podemos esquecer o seu trabalho como dramaturga, que ainda recentemente pudemos ver no São Luiz, em Lisboa, com a obra Os demónios não gostam de ar fresco, inspirado no universo de Bergman, uma das suas grandes paixões. Não é fácil falar da perda de uma amiga. Conforta-me a certeza de que a sua voz nunca se calará. A Maria escreveu muito sobre o silêncio. Mas na sua obra não cabe o esquecimento.»
PEDRO RAPOULA
NOTA BIOGRÁFICA
Poeta e dramaturga, Maria Quintans fez parte da criação da Revista Inútil, na qual foi diretora editorial. Foi também editora na Hariemuj, Cama de Gato e Edições Guilhotina. Publicou em 2008 o livro de poemas Apoplexia da Ideia; em 2010, Chama-me Constança; em 2013, O Silêncio; em 2014, A Pata da Cabra; e, em 2015, Décimo terceiro andamento & Chama-me Constança. Em 2019, estreou-se como autora na Assírio & Alvim com o livro Se me empurrares eu vou. Organizou, em 2012, a antologia poética Meditações sobre o Fim - Os últimos poemas (Hariemuj Editora). Iniciou-se na escrita de dramaturgia em 2015, com o monólogo Décimo Terceiro Andamento. Escreveu em 2016 a peça infantojuvenil Este não sou eu. Em 2020, escreveu também as peças A Síndrome da Culpa e Os Demónios Não Gostam de Ar Fresco, esta última sobre o universo de Ingmar Bergman, que considerava «um dos maiores artistas do século XX» e por cuja obra tinha, desde sempre, um enorme fascínio. Os seus poemas estão incluídos em várias antologias, portuguesas, brasileiras e espanholas, nomeadamente O prisma das muitas cores - Poesia de Amor Portuguesa e Brasileira (Labirinto, 2010), 100 Poemas para Albano Martins (Labirinto, 2012), 40xAbril (Abysmo2014), 70 Poemas para Adorno (Nova Delphi, 2015), Cintilações na Sombra (Labirinto, 2013), Eufeme Revista (2019), Sombras de Porcelana Brava (2020 - edição bilingue - editora espanhola Vaso Roto), Colóquio Letras nº 209 – Janeiro/Abril 2022. Tem textos publicados em várias revistas, nomeadamente, BigOde, Inútil, Golpe d’Asa, Flanzine, Minguante, Diversos Afins, Revista Pessoa, Revista EGOÍSTA, Eufeme. Em 2024, recomendada pela própria Liv Ullmann (atriz e companheira de Ingmar Bergman), fez uma residência literária na ilha de Bergman (Fårö), na Suécia. Publicou em livro a sua peça Os demónios não gostam de ar fresco (ed. húmus, lançado nas Correntes d’Escritas), que estreou no Teatro São Luiz, com direção de Albano Jerónimo e Cláudia Lucas Chéu. Foram estas algumas das palavras de Liv Ullmann para Maria Quintans: «Esta mensagem é dirigida a Maria Quintans, de Liv Ullmann, Noruega. Gostaria de a recomendar calorosamente, como o fiz desde logo quando tive conhecimento da sua peça sobre Ingmar Bergman e tudo o que esta representa. [...] Apoio absolutamente este projeto, assim como o recomendo desde que tomei conhecimento do mesmo há quatro anos, quando ouvi falar da peça pela primeira vez. Estou a par do processo e espero que a Suécia os receba no Bergman Center que, na verdade, era a minha antiga casa, quando vivia com Ingmar Bergman. É um dos poucos locais que alguma vez recomendei a alguém. Desejo o maior sucesso, não estou presente na minha antiga casa, mas o Bergman Center sabe onde me encontrar. Obrigada, Obrigada! E Maria, envio-lhe a si e a todos os seus muito amor. Obrigada.»