2022-02-15

Respostas poéticas ao chamamento das coisas

Publicação de Pedra Filosofal e As Evidências na coleção Obras de Jorge de Sena

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Pedra Filosofal (1950) é um dos dois novos títulos de Jorge de Sena já em pré-venda e disponíveis nas livrarias a 24 de fevereiro.

«Em Pedra Filosofal, assiste-se, pois, ao percurso poético-existencial de um poeta que procura lidar com as circunstâncias, encontrar a poética adequada, alcançar a liberdade e atingir a plenitude no amor. De certa maneira, dá conta assim de uma "íntima educação" do poeta, ou seja, uma poesia de formação, que se vai construindo ao longo dos poemas e das três secções que os recebem. Depois de ter perseguido a verdade até à coroa da terra, o poeta tira lições da pedra cuja posse permitirá discernir em breve "as evidências" .» [do prefácio de Joana Meirim].

 

SOBRE O LIVRO

 

... DE PASSAREM AVES

 

À memória de Sá de Miranda

 

Das aves passam as sombras,

um momento, no chão, perto de mim.

No tardo Verão que as trouxe e as demora,

por que beirais não sei

onde se abrigam piando

como ao passar chilreiam.

 

Um momento só. Rápidas voam!

E a vida em que regressam de outras terras

não é tão rápida: fiquei olhando

as sombras não, mas a memória delas,

das sombras não, mas de passarem aves.

 

21/6/1947

 

Na mesma ocasião, é publicado As Evidências (1955). Quando surgiram a Jorge de Sena estes vinte e um sonetos, «sem bem saber sequer se sonetos seriam», o autor sentiu que formavam uma unidade tão inquebrável, que mereciam uma publicação autónoma. E é nessa força unidirecional que se pode ler este livro ou, como esclarece Silvina Rodrigues Lopes no prefácio ao texto: «O que em As Evidências de Jorge de Sena aparece como anticonformismo e revolta não o leio como um traço de personalidade, como leitura da realidade ou como uma manifestação direta de conceções sociais e políticas. É evidente que tudo isso lá está, mas o salto para fora é que faz acontecer o poema e, com este, uma individuação não figurável.» Dêmos o salto, fruamos da musicalidade destes poemas.

 

SOBRE O LIVRO

 

XXI.

 

Cendrada luz enegrecendo o dia,

tão pálida nos longes dos telhados!

Para escrever mal vejo, e todavia

a dor libérrima que a mão me guia

essa me vê, conforta meus cuidados.

 

Ao fim terrível que me espera extenso,

nenhum conforto poderei pedir.

Da liberdade o desdobrado lenço

meu rosto cobrirá. Nem sei se penso

ou pensarei quando de mim fugir.

 

Perdem-se as letras. Noite, meu amor,

ó minha vida, eu nunca disse nada.

Por nós, por ti, por mim, falou a dor.

E a dor é evidente — libertada.

 

21/6/1947

 

SOBRE O AUTOR

 

Jorge de Sena nasceu em Lisboa a 2 de novembro de 1919 e morreu em Santa Bárbara, na Califórnia, a 4 de junho de 1978. Licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia do Porto, parte para o exílio no Brasil em 1959 e aí doutora-se em Letras e torna-se regente das cadeiras de Teoria da Literatura e de Literatura Portuguesa. Muda-se para os EUA em 1965, lecionando na Universidade de Wisconsin e, anos depois, na Universidade da Califórnia. Poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é considerado um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século xx, autor de títulos como Metamorfoses (1963), Os Grão-Capitães (1976), O Físico Prodigioso (1977) e Sinais de Fogo (1979), este último considerado a sua obra-prima.